segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Andvari

Ela arrasta-se pela casa enrolada num robe verde engrumado que traja desde Setembro passado. Desde então nunca pôs os pés na rua.
Abandonada, muitíssimo só, gostaria que o novo inquilino se mostrasse mais e partilhasse com ela ocorrências triviais do dia, ou pelo menos as refeições; gostaria de lhe pedir isso abertamente, mas limita-se a negar o estado repugnante do balde da limpeza, da esfregona e do frigorífico quando confrontada com essas verdades, olhando aterrada, como se diante da Morte, para uma toalha de plástico desbastada, com irritação e arrependimento inscritos nos profundos vincos da sua pele.
– Nunca ninguém me disse que a casa estava suja!, berrou.
Em tempos, uma senhora de classe média-alta que se passeava pelo Chiado, beberricava café na Brasileira e aproveitava o Estoril para esbracejar como uma actriz de Hollywood em traje de banho discreto.

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